Páginas

domingo, 25 de dezembro de 2016

Moana




Críticas AdoroCinema
Moana - Um Mar de Aventuras - Foto 
4,5 Ótimo
 Moana - Um Mar de Aventuras
Girl power por
O momento atual da Walt Disney Pictures é bem interessante. Por muitos apontada como uma empresa tradicional, especializada em filmes para família (e, sob vários aspectos, realmente é), nos últimos anos tem assumido certas ousadias em algumas de suas principais produções, no sentido de combater preconceitos e retratar minorias. Assim foi com Frozen, ao priorizar o amor fraternal em detrimento de qualquer relacionamento amoroso; com Zootopia, ao moldar a história central no tema do preconceito e ainda trazer um personagem em animação escancaradamente gay (ainda que não tenha se assumido, verbalmente); e em Star Wars - O Despertar da Força, pela presença de uma protagonista feminina forte e decidida, que segue seu caminho dispensando a ajuda dos homens que a cercam. Com Moana, a Disney dá mais um passo neste sentido - e de várias formas.




A começar que esta é a primeira animação do estúdio onde a personagem feminina central não tem par romântico. O próprio conceito de princesa, tão associado à Disney, aqui é motivo de uma bem-vinda autoironia, que traz ao filme um saudável frescor. Além disto, Moana é um musical com tonalidades bem distintas: se o início remete ao formato clássico, onde as pessoas interrompem seus afazeres normais para, do nada, cantar e dançar; aos poucos assume características mais contemporâneas, não apenas pelo modo como as canções são apresentadas mas, especialmente, pelo uso do humor. Tal transição fica bem explícita a partir do momento em que Maui entra em cena, um verdadeiro divisor de águas pela explosão exagerada e anárquica que representa - e que, guardadas as devidas proporções, remete ao gênio de Aladdin.

Moana - Um Mar de Aventuras - FotoAlém disto, Moana se destaca também pela forma como retrata sua história. A cultura polinésia é saudada a todo instante, com diversas citações às suas crenças e modo de vida, de forma a ambientar tal universo para o espectador. Entretanto, o mais importante é a forma como sua personagem principal é retratada: corajosa, decidida, senhora de seu destino. Moana é uma heroína como poucas vezes o cinema ofereceu, no sentido de promover a afirmação do girl power sem que, para tanto, seja necessária a depreciação dos que estão à sua volta. Neste sentido, a Disney não apenas demonstra estar antenada com as carências da sociedade atual como, ainda por cima, entrega ao público feminino de todas as idades um ícone desprovido de preconceitos, no qual possa se espelhar.

Questões conceituais e simbólicas a parte, Moana é também uma grande diversão. Com uma animação belíssima, com destaque para a variedade de tons de cores do oceano, o longa ainda promove uma mescla bem executada com o traço 2D e traz cenas que remetem a outros filmes dirigidos pela dupla John Musker e Ron Clements, em especial Hércules (na sequência da ótima música "You're Welcome", cantada por The Rock) e A Pequena Sereia (não percam os créditos finais!). Com personagens carismáticos e cativantes - a Moana criança é uma graça! -, o filme facilmente conquista a afeição do espectador. Mesmo quando, de início, o tom musical à moda antiga soe um tanto quanto estranho em certos momentos, tal proposta enfim fica clara a partir da triunfal entrada em cena de Maui - trata-se de um intencional contraste entre o antes e o depois de sua aparição.

Moana - Um Mar de Aventuras - FotoO pequeno deslize do longa-metragem fica por conta de certas concessões feitas para atrair o público menor. O oceano, que no filme tem vida própria, por vezes é desnecessariamente infantilizado. Há também um excesso de animais de estimação da protagonista, o porco Pua e o galo Hei Hei, por mais que o segundo até renda cenas divertidas. São detalhes que não chegam a atrapalhar o filme, mas o deixam menos fluido dentro da narrativa apresentada.

Apesar disto, Moana é um grande filme, que merece ser conferido não apenas pela qualidade do material exibido mas também pelo que representa, dentro da própria Disney e também para indústria cinematográfica como um todo. Em uma época onde o rancor e os ataques gratuitos reinam, é bom ver uma história de afirmação como esta, tão bem inserida dentro de uma ambientação cativante e divertida de forma que, também as meninas (e mulheres), possam se ver representadas na telona.
Quer ver mais críticas?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Nas Estradas do Nepal

Nas Estradas do Nepal

Data de lançamento 15 de dezembro de 2016 (1h 30min)
Direção: Min Bahadur Bham
Elenco: Khadka Raj Nepali, Sukra Raj Rokaya, Jit Bahadur Malla mais
Gênero Drama
Nacionalidades Nepal, França, Suiça, Alemanha


Sinopse e detalhes

Não recomendado para menores de 12 anos
Prakash e Kiran vivem no Nepal, durante a guerra civil de 2001. Embora pertençam a castas diferentes, os garotos tornam-se amigos próximos, e decidem ganhar dinheiro com as vendas dos ovos de uma galinha. Quando o animal some, eles partem em uma jornada para recuperá-lo. Mas Prakash e Kiran não percebem os riscos que correm no instável período de trégua na guerra.
Título original Kalo Pothi
Distribuidor Esfera Cultural
Ano de produção 2015
Tipo de filme longa-metragem
Curiosidades 1 curiosidade
Orçamento € 2.000.000,00
Idiomas Outro
Formato de produção -
Cor Colorido
Formato de áudio -
Formato de projeção -
Número Visa -


Críticas AdoroCinema
4,0 Muito bom
Nas Estradas do Nepal
Ele é uma criança e entende tudo por
Espremido entre China e Índia, o Nepal perdeu dezenas de milhares de habitantes numa longa guerra civil entre maoístas e militares na década passada. Nas Estradas do Nepal apresenta parte dessa trágica história a partir das experiências do pequeno Prakash (Khadka Raj Nepali), um dalit, portanto considerado intocável e impuro, que vive com o pai e a irmã no porão da casa do chefe da aldeia e tem como melhor amigo o neto do patrão, Kiran (Sukra Raj Rokaya).

Nas Estradas do Nepal - FotoPela primeira vez em décadas, o rei do país prepara uma visita à região e os preparativos de seu banquete fazem com que todos vendam suas galinhas para os organizadores da festa. Bijuli (Hansha Khadka), irmã de Prakash, consegue surrupiar uma, a última criada por sua falecida mãe, e a oferece ao caçula, que batiza a nova mascote da casa como Karishma. Incomodado com os cacarejos noturnos, indicativos de mau agouro, o pai se livra da galinha e Prakash, indignado, se empenha para recuperá-la de qualquer forma, tendo como cúmplice o amigo. O maoísmo está à espreita, mas Prakash acaba se tornando vítima do capitalismo ao ter que correr atrás de centenas de rúpias para comprar de volta sua querida companheira.

Não espere ver longos planos das famosas montanhas, Himalaia, gelo derretendo, as imagens de sempre. O filme de Min Bahadur Bham trata das relações humanas e como elas se organizam. No caso, de maneira complicada. Complicadíssima. Os dalits sofrem muita discriminação e, apesar das ambições, não encaram chances reais de subir na vida – ainda que o pai de Prakash afirme com fé que o estudo deixará o menino "descolado". Seduzidos ainda na escola pelos "programas culturais" maoístas que prometem revolução social, jovens como a irmã do protagonista veem na guerrilha a única saída viável, enquanto as privilegiadas, como a irmã de Karin, têm a certeza de pomposos casamentos arranjados.

Nas Estradas do Nepal - FotoAproveitando o frágil cessar-fogo em vigor, Prakash gasta seus momentos livres correndo atrás de recursos, brincando, sonhando com bons negócios, imaginando templos que jamais poderá adentrar por sua condição inferior e aguentando desaforos de seu único amigo fiel, por diversas vezes cruel – “às vezes você me machuca, me preocupo com o que diz”, ele assume em momento tocante. Bastante coisa acontece nos compactos 90 minutos e, apesar das longas distâncias percorridas, tudo é rápido e fluído, mérito do diretor estreante e de seu parceiro na autoria do bem montado roteiro, Abinash Bikram Shah. Sem necessidade, o realizador escancara sua opinião sobre os comunistas, introduzidos como ridículos e sequestradores, mas não deixa de abrir espaço para a relativização usando o protagonista, que pensa sofrido na irmã sempre que escuta algum comentário radical no estilo "morte aos maoístas!".

Representante do Nepal no Oscar 2017 (caiu na primeira fase, assim como Pequeno Segredo), o drama dá uma curiosa alfinetada no cinema indiano durante uma sequência passada numa... sessão de cinema e é todo muito belo em seus movimentos lentos e atuações naturalistas. Abordar temas duros usando crianças como protagonistas – para dar aquela suavizada – não é novidade, porém continua funcionando quando bem executado. É o caso de Nas Estradas do Nepal, que ainda ganha pontos extras por seu surpreendente, brutal e intenso ato final e termina fazendo referência ao lema do país: "a mãe e a terra-mãe valem mais que o reino dos céus".
Quer ver mais críticas?