O momento atual da Walt Disney Pictures é bem
interessante. Por muitos apontada como uma empresa tradicional,
especializada em filmes para família (e, sob vários aspectos, realmente
é), nos últimos anos tem assumido certas ousadias em algumas de suas
principais produções, no sentido de combater preconceitos e retratar
minorias. Assim foi com Frozen, ao priorizar o amor fraternal em detrimento de qualquer relacionamento amoroso; com Zootopia,
ao moldar a história central no tema do preconceito e ainda trazer um
personagem em animação escancaradamente gay (ainda que não tenha se
assumido, verbalmente); e em Star Wars - O Despertar da Força,
pela presença de uma protagonista feminina forte e decidida, que segue
seu caminho dispensando a ajuda dos homens que a cercam. Com
Moana, a Disney dá mais um passo neste sentido - e de várias formas.
A começar que esta é a primeira animação do estúdio onde a
personagem feminina central não tem par romântico. O próprio conceito de
princesa, tão associado à Disney, aqui é motivo de uma bem-vinda
autoironia, que traz ao filme um saudável frescor. Além disto,
Moana
é um musical com tonalidades bem distintas: se o início remete ao
formato clássico, onde as pessoas interrompem seus afazeres normais
para, do nada, cantar e dançar; aos poucos assume características mais
contemporâneas, não apenas pelo modo como as canções são apresentadas
mas, especialmente, pelo uso do humor. Tal transição fica bem explícita a
partir do momento em que Maui entra em cena, um verdadeiro divisor de
águas pela explosão exagerada e anárquica que representa - e que,
guardadas as devidas proporções, remete ao gênio de Aladdin.

Além
disto, Moana se destaca também pela forma como retrata sua história. A
cultura polinésia é saudada a todo instante, com diversas citações às
suas crenças e modo de vida, de forma a ambientar tal universo para o
espectador. Entretanto, o mais importante é a forma como sua personagem
principal é retratada: corajosa, decidida, senhora de seu destino. Moana
é uma heroína como poucas vezes o cinema ofereceu, no sentido de
promover a afirmação do girl power sem que, para tanto, seja necessária a
depreciação dos que estão à sua volta. Neste sentido, a Disney não
apenas demonstra estar antenada com as carências da sociedade atual
como, ainda por cima, entrega ao público feminino de todas as idades um
ícone desprovido de preconceitos, no qual possa se espelhar.
Questões conceituais e simbólicas a parte,
Moana
é também uma grande diversão. Com uma animação belíssima, com destaque
para a variedade de tons de cores do oceano, o longa ainda promove uma
mescla bem executada com o traço 2D e traz cenas que remetem a outros
filmes dirigidos pela dupla John Musker e Ron Clements, em especial Hércules (na sequência da ótima música "You're Welcome", cantada por The Rock) e A Pequena Sereia
(não percam os créditos finais!). Com personagens carismáticos e
cativantes - a Moana criança é uma graça! -, o filme facilmente
conquista a afeição do espectador. Mesmo quando, de início, o tom
musical à moda antiga soe um tanto quanto estranho em certos momentos,
tal proposta enfim fica clara a partir da triunfal entrada em cena de
Maui - trata-se de um intencional contraste entre o antes e o depois de
sua aparição.

O
pequeno deslize do longa-metragem fica por conta de certas concessões
feitas para atrair o público menor. O oceano, que no filme tem vida
própria, por vezes é desnecessariamente infantilizado. Há também um
excesso de animais de estimação da protagonista, o porco Pua e o galo
Hei Hei, por mais que o segundo até renda cenas divertidas. São detalhes
que não chegam a atrapalhar o filme, mas o deixam menos fluido dentro
da narrativa apresentada.
Apesar disto,
Moana é
um grande filme, que merece ser conferido não apenas pela qualidade do
material exibido mas também pelo que representa, dentro da própria
Disney e também para indústria cinematográfica como um todo. Em uma
época onde o rancor e os ataques gratuitos reinam, é bom ver uma
história de afirmação como esta, tão bem inserida dentro de uma
ambientação cativante e divertida de forma que, também as meninas (e
mulheres), possam se ver representadas na telona.